Ave Luz

Alegra-te cheia de graça!

A Pequena Via da Infância espiritual

Maria Eugênio, ocd

O perigo é grande e nem sempre foi evitado, de confundir esta pequenez aparente com certa arte fácil de acomodar as exigências da santidade à fraqueza infantil, e à lei preguiçosa do menor esforço, de reduzir a simplicidade a uma mediocridade sorridente e a uma banalidade piegas. (p. 93)

A confiança e a pobreza (bases da pequena vida) atraem irresistivelmente o amor. Esta lei se confirma em Teresa à medida que se desenvolve a experiência do amor, mais provavelmente com mais força e intensidade do que claridade, pelo menos no começo. 
Eis que numa data que é difícil precisar, mas parece que naquele período de luzes que vai da oferenda ao Amor misericordioso (9 de junho de 1895) à provação contra a fé (Páscoa de 1896), brilha em sua alma uma luz que terá uma importância considerável: 
"Quero procurar o meio de ir para o céu por uma trilha muito reta, muito curta, uma trilha totalmente nova. Estamos num século de invenções, agora não se precisa mais ter o trabalho de subir os degraus de uma escada, na casa dos ricos ela é substituída vantajosamente por um elevador... "Então procurei nos livros santos a indicação do elevador, objeto de meu desejo, e li estas palavras saídas da boca da Sabedoria Eterna: 'Quem for pequenino venha a mim'...

Querendo saber, ó meu Deus, o que faríeis ao pequenino que respondesse ao vosso apelo, continuei minhas pesquisas e eis o que encontrei: 'Como uma mãe acaricia seu filho, assim vos consolarei, eu vos carregarei em meu peito evos balançarei em meu colo” 
Ah! jamais palavras mais ternas, mais melodiosas tinham alegrado minha alma, o elevador que deve me alçar até ao céu são vossos braços, ó Jesus! Para isso, não preciso crescer; pelo contrário, devo continuar pequena, devo sê-lo cada vez mais”.

Teresa certamente também medita na cena evangélica na qual Jesus mostra uma criança aos apóstolos e proclama a necessidade de se lhe assemelhar para entrar no reino dos céus: "Quem se fizer pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus”. 
Estes textos escriturísticos se iluminam de modo extraordinário aos olhos de Santa Teresa do Menino Jesus. A luz que se acende vem confirmar e harmonizar aspirações e convicções, senão confusas pelo menos imperfeitamente explicitadas; num instante polariza esses elementos ainda esparsos e de alguma forma encarna a doutrina teresiana numa forma viva, clara e simples: a da criancinha que se torna o modelo perfeito a imitar e a realizar.

Claro, esta luz encontra disposições naturais extremamente favoráveis em Santa Teresa do Menino Jesus. Jamais a graça terá vindo tão harmoniosa para aperfeiçoar a natureza! Teresa sempre foi pequenina: na família com a qual viveu sob a tutela afetuosa das irmãs mais velhas, como a última de nove filhos, e no Carmelo onde, precedida por duas irmãs, chegada aos quinze anos e morta aos vinte e quatro, nunca passou de mais velha do Noviciado e não pôde chegar à maioridade canônica que confere o exercício dos direitos da profissão religiosa. Sempre foi a "Teresinha" por situação familiar e social; permanecerá assim sobrenaturalmente e até no céu, 
por uma graça que a fez compreender com uma lógica rigorosa e absoluta o modelo apresentado por Jesus a seus mais íntimos discípulos.

Teresa pode facilmente imitar as atitudes exteriores da criança, até adotar sua linguagem. Não nos deixemos enganar por estas formas exteriores que não são elementos essenciais da infância e que poderiam até favorecer sua deformação. A criança que Santa Teresa toma e apresenta como modelo não é aquele serzinho frágil que, pelos seus encantos atraentes, impõe seus desejos e caprichos, mas aquela que ela própria assim descreve: 
Ser criança "é reconhecer seu nada, esperar tudo de Deus, como uma criancinha espera tudo do pai; é não se pertur 
bar com nada, não juntar fortuna...”

"Ser pequeno é também não atribuir a si mesma as virtudes que pratica, julgando-se capaz de alguma coisa, mas reconhecer que Deus coloca esse tesouro na mão de seu filhinho para que se sirva quando precisar; mas ele pertence sempre a Deus..." 
Santa Teresa do Menino Jesus, nesta declaração importante, indica a disposição fundamental da infância espiritual. É pela pobreza confiante ciosamente conservada e protegida contra a apropriação de todos os falsos bens, nem que fossem as virtudes, que a infância espiritual vai construir toda a ordem da vida sobrenatural e regular suas manifestações.

Primeiro, mostra o instinto filial da graça santificante; esta criança que encontrou seu lugar na Santíssima Trindade não mais suporta separar-se de seu Pai: Deus. Se sobrevém uma dificuldade, se uma tarefa mais importante lhe é confiada, por instinto vai "aos braços de Deus, como uma criancinha e (esconde seu) rosto com os cabelos".

Sua oração consiste em olhar para Deus de mais perto, esforçar-se por conhecê-lo melhor através dos gestos e das palavras dele que os Livros Santos nos mostram. 

Esta procura filial de Deus, por ser guiada pela graça e não por uma necessidade natural de carinhos, submete-se às leis da ordem natural que regem nossas relações com Deus. Apóia-se nas certezas da fé para perseverar na busca, mas aceita amorosamente o véu de obscuridade que a fé mantém, aqui no mundo, sobre as realidades sobrenaturais que revela. Teresa não quer despertar o Senhor neste silêncio da noite que parece um sono e às vezes a imobilidade da morte. Como só é ávida da verdade, não quer falsas representações do Além, nem mesmo manifestações sobrenaturais que não passam de analogias.

A simplicidade e a pureza sobrenaturais desta atitude filial e deste olhar obstinadamente fixo em Deus, acima de todas as nuvens e de todas as figuras, faz desta criança uma sublime contemplativa que penetra os mais altos atributos divinos e deles se apossa.

São João da Cruz frisa que a alma cativa Deus pela pureza de seu olhar e, acrescenta, por um fio de cabelo que é o cabelo do forte amor trançando as virtudes entre si.”

Santa Teresa do Menino Jesus, que compreendeu o primeiro traço, acentua o segundo em uma carta a Leônia, aplicando-a à atividade do amor em seu caminho da infância: 
"Saibamos pois, escreve-lhe, guardá-lo prisioneiro, este Deus que se torna o mendigo de nosso amor. Dizendo-nos que é um fio de cabelo que pode operar esse prodígio, mostra-nos que as menores ações praticadas por amor são as que encantam seu coração... Ah! se fosse preciso fazer grandes coisas, como teríamos de lamentar!... Mas como somos felizes, já que Jesus se deixa prender pelas menos Consciente de sua fraqueza, Teresa não se deixará levar na direção da ascese brilhante que reveste aparências de força ou de heroísmo. A cruzinha de ferro que a fez ficar doente vem lhe dar uma luz definitiva, precisando e autenticando o que sentia interiormente. 
Deve, então, por causa de sua pequenez, recusar qualquer esforço? Não, é claro. Tudo o que Deus lhe impõe pelas leis, os acontecimentos, os deveres de estado, é prova e mensagem de seu amor. Sua fraqueza não tem direito de ficar com medo, mesmo que a tarefa ultrapasse as forças humanas, pois Deus sempre dá graça e força para se fazer o que ele pede. Então, com que atenção vigilante ela vai recolher todos os seus divinos desejos, até os menores, com que fidelidade escrupulosa e que cuidado de perfeição até os detalhes ela vai realizar os grandes e os mais humildes deveres da vida cotidiana para assim expressar seu amor continuamente a Deus: 
"Não tenho outro meio de te provar meu amor, diz a Jesus, a não ser atirar flores, isto é, não deixar escapar nenhum sacrificiozinho, nenhum olhar, nenhuma palavra, aproveitar todas as menores coisas e fazê-las por amor... Quero sofrer por amor e até mesmo gozar por amor, assim atirarei flores diante de seu trono; não deixarei uma sem despetalar por ti..."'

Tal é o heroísmo da pequenez, todo impregnado de amor, ao qual Deus nunca deixa de fornecer o alimento cotidiano adaptado às suas forças e necessário a seu desenvolvimento desde as alfinetadinhas do começo da vida religiosa até às dolorosas purificações e às últimas provações que vão assegurar a consumação.

Dessas provações, Teresa esconde o sofrimento sob um sorriso. Não é o sorriso o adorno do rosto da criança? 
"Eu cantarei, escreve... cantarei, mesmo que tiver que colher minhas flores no meio dos espinhos e meu canto será tanto mais melodioso quanto mais compridos e picantes forem os espinhos".

Esconder os sofrimentos para os outros não sentirem é um ato de caridade delicada. Santa Teresa gosta desta virtude de maneira especial, "pois ama-se a Deus na medida em que se a pratica", e porque ela é a virtude de Deus que é Amor. Há de praticá-la com um zelo especial e recomendá-la nas últimas páginas que escreveria aqui na terra.

Eis o ensinamento prático de Teresa do Menino Jesus, mensagem de uma criança, de um "pobre pequeno nada e nada mais"," 
que nos diz que Deus é Amor, que Deus quer propagar as chamas de seu amor em nossas almas e que podemos ser transformados e consumidos pelo seu amor, fazendo-nos "humildes e pequeninos nos braços de Deus, conscientes de nossa fraqueza e confian 
tes ataudácia em sua bondade de Pai".


Fonte: Maria EUGÊNIO.

Teu Amor Cresceu Comigo: Teresa de Lisieux: Gênio Espiritual. Paulus, São Paulo 1995, p. 105-110.

 

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